“Olá! Então é a Dona Lucília Damásio?”
“ Sim, sou eu.”
“Vamos lá ver então o que se passa consigo. Tem algum documento do médico?”
“Tenho sim.”
“Ah mas você tem cancro na mama?”
“Tenho sim.”
“Ora nem precisava de ter vindo cá. Claro que está dispensada e com a baixa assegurada.”
“Está bem. Boa tarde Sr. Doutor”
“Boa tarde Dona Lucília”
A isto se resumiu a visita da minha mãe à junta médica da segurança social de Vila Real. Quilómetros de viagem para em 5 minutos de uma conversa inútil em que se confirmou que a minha mãe não está apta para trabalhar (e o mais hilariante é que nem se referiu o ombro, esse sim o verdadeiro problema incapacitante). Mesmo assim ainda fomos informados de que terá de se apresentar uma vez por mês no mesmo local para dar provas, como se o cancro fosse uma doença passageira, qual gripe ou constipação que algum analgésico milagroso possa curar rapidamente. Enfim, não me alongo mais neste assunto. São as leis que temos e no país que temos, não poderíamos esperar outra coisa.
A minha mãe ficou chocada com as declarações de uma prima sua sobre os boatos que correm a seu respeito pela aldeia. Segundo ela, as simpáticas senhoras de Alturas do Barroso não estão contentes com o comportamento da minha mãe. E passo a citar “Ela não vem À rua falar connosco. Não se abre com as amigas (?) nem conta o que se passa. Quando a Maria teve cancro (uma senhora que teve cancro no útero cá na aldeia) andava na rua a conversar e beijava toda a gente (podem-se rir, porque eu também me ri). A Lucília não faz isso, nem parece que está doente”.
Perante estas opiniões, não posso deixar de sentir pena profunda de quem é capaz de dizer coisas como estas? A minha mãe nunca foi pessoa de passar intermináveis horas em conversas e fofoquices na rua e não ia começar a fazê-lo agora. A minha mãe tem família com quem se abrir e não ia arriscar a contar pormenores a alguém que de imediato criaria um romance fatal em torno de qualquer informação recebida. A minha mãe não tem por hábito beijar as pessoas quando está doente e se a senhora Maria o fez quando assim estava é porque em alguma fase do tratamento algo correu mal e a sua integridade mental foi posta em perigo.
Sim, fico revoltado com esta situação e percebo a origem destes comentários desagradáveis: o aparecimento da doença da minha mãe foi, para as senhoras queridas da minha aldeia, o surgimento de um novo tema de conversa que renderia meses e meses de assuntos diversos para discutir. Ora, como ao contrário do esperado, a minha mãe não chora e se lamente perto destas senhoras, não dá beijos (que seriam certamente de despedida, apesar de não compreender muito bem) às pessoas que encontra nem passa a vida a falar do cancro, as senhoras acharam por bem investir de outra forma e falar mal da pacatez com que enfrenta a doença, como se para estar doente seja necessário contar a vida às vizinhas fofoqueiras para que estas a espalhem rapidamente num raio quase incalculável. Calem-se senhoras e deixem a minha mãe em pás. Ela está muito bem sem desabafar com vocês e comentários como estes dão até para alimentar alguma boas gargalhadas irónicas.
Peço desculpa pelo discurso sarcástico. Estes dias ando assim, azedo e com os humores trocados. Amanhã vou ter outra vez aulas de condução. Espero que venham a correr melhor do que até aqui ou não sei se aguento a aula toda sem dar um raspanete ao instrutor (coisa que em dias normais seria completamente incapaz de fazer).
Olá Rui
ResponderEliminarNão fiques indignado com o comportamento dessas pessoas ditas amigas da tua mãe. moras numa aldeia pequena onde todos se conhecem e onde à falta informação, e qualquer coisa que aconteça aí ou a alguém daí, é um verdadeiro tema de conversa para muito tempo.
A vossa postura não deve mudar, não liguem a esses comentários que as pessoas vão cansar-se.
Quanto á junta médica, vai-te habituando ao tempo de duração da mesma, eu ia de 3 em 3 meses e eram só 2 minutos contadinhos pelo meu relógio...
Olha Rui, não sei se já tens conhecimento, mas a tua mãe a partir de agora, infelismente, tem aluns benefícios que não deve desperdiçar, como ficar isenta de taxas moderadoras, não pagar IRS dentre outras, mas para tal, mal tenha o resultado da biópsia e logo a seguir à consulta de grupo deve pedir no IPO no serviço de apoio ao utente (aquele gabinete ao lado direito antes de entrar na clínica da mama)um relatório clínico e deve com esse relatório ir ao Centro de saúde da tua Zona, e solicitar uma consulte com o delegado de saúde para pedir o atestado de incapacidade multiusos, o tal que dá direito a certos benefícios, (para tal lá vai mais uma junta médica).
Quanto às tuas aulas de condução, os instrutores são "Xatos", mas no fim sei que vão ficar grandes amigos, assim aconteceu comigo.
Beijinhos
Isabel Alegria
Rui, conhces, com certeza, aquela frase: os cães ladram e a caravana passa... não conheces? Aplica-se a tudo ou quase tudo. também se aplica à tua aldeia, como se aplica à grande cidade. A envolvente pode mudar, mas as pessoas são as pessoas...
ResponderEliminarNão te maces com palermices! Vai fazendo com que a tua caravana passa, apesar de tudo.
Beijinhos e bom fim de semana.
Quanto à junta médica - olha, os cães ladram e a caravana passou!
hehehe
Olá Rui! Li o teu post ontem à noite, mas o cansaço tinha tomado completamente conta de mim (Já não sou propriamente uma rapariga de vinte, nem de trinta, nem de quarenta anos!!!!) e achei que hoje estaria mais capaz de te dizer qualuqer coisa que não deve ser muito especial, mas brota do meu coração de mãe, do meu sentir de mulher: uma das coisas que vamos percebendo à medida que a vida vai avançando e as doenças se vão instalando de modo definitivo nos nossos dias é que não temos de combater apens a doença, mas também outros aspectos que surgem e que não ajudam nada a manter o moral em alta. Um deles é o preconceito. Outro a burocracia. Prepara-te bem contra esses dois grandes inimigos. Como diz a Nela (obrigada Nela, trouxeste à baila uma das "grandes" frases do meu pai!): os cães ladram e a caravana passa! Um beijinho para ti e para a tua mãe.
ResponderEliminarolá rui, sim, ha que nos queira ver a chorar pelas ruas, com ar de muito doente...ha quem fique contente com essa postura na doença. Infelizmente ainda é assim.
ResponderEliminarAinda bem, que essa não é a postura da tua mãe, nem a da vossa familia.
Um beijinho e o melhor mesmo é não ligar, embora fiquemos indignados.
bjs e tudo a correr bem
Oi Rui
ResponderEliminaré o que dizem aqui as Amigas as pessoas continuam a ver o cancro como uma sentença e não conseguem ver que nós somos muito mais Guerreiras do que imaginam. Não temos que andar a nos arrastar pelas ruas, pelo contrário de cabeça erguida e com uma atitude positiva e acreditar que tudo vai correr bem. Ao tomár-mos esta atitude 50% da cura está em nós e para isso precisamos de estar conscientes do que nos espera e com apoio daqueles que nos "amam" tudo se torna menos pesado!
Que a tua Mãe tenha sempre essa postura é o que desejo!
Beijinhos
Rui, sei bem o que isso é. Ao ler o seu texto fiquei preocupada com a sua mana. Seria conveniente, falar-lhe do assunto antes que o povo comece a fazer filmes e alertá-la, precisamente, para essa possibilidade.
ResponderEliminarNa minha aldeia, passa-se o mesmo. O meu pai, em brincadeira, até chama O Jornal da Caserna aos mexericos das beatas.
Infelizmente, há pessoas assim, sem nada para fazer, sem nada na cabeça e nem se lembram nas consequencias que esses comentários podem trazer para as crianças, mais vulneráveis. Foi a minha grande preocupação ao longo da minha doença: proteger os meus sobrinhos dos mexericos aldeãs. Por isso, tomei uma atitude antes de. Ainda assim, nem acredito que há pessoas assim, pouco depois de eu ser operada, uma senhora idosa da terra, ansiosa por notícias (a minha família não se alongava, dizendo sempre, está bem, obrigada), aproveitou a ingenuidade da minha sobrinha mais velha, de 10 anos na altura, e quando ela brincava na rua, dirirgiu-se a ela e sem rodeios perguntou: a tua madrinha tirou as mamas? A minha sobrinha limitou-se a dizer que não sabia, se quisesse saber algo, para me perguntar a mim e entrou em casa a chorar. Antes a senhora ainda fez o triste comentário: tadinha, tão nova. E a irmã morreu do mesmo há três semanas!
Tente não ligar. Fiz uma vida normalíssima ao longo dos tratamentos. Ninguém tem na testa tenho Cancro ou estou doente. Há que seguir em frente e não é por se ter ou não aspecto de doente ou fazer-se de coitadinho com queixumes a tudo quanto é gente, que se está mais ou menos doente. Cada um sabe de si e há que preservar a nossa dignidade e direito de agir consoante a nossa vontade. Quem não o respeita, não é digno do nosso tempo.
Leve as aulas na desportiva e verá que corre tudo melhor.
Tudo de bom. Bejinhos para si e sua mãe. Força ok?
Ola Rui, de facto as historias nas aldeias são sempre as mesmas...e de um ponto fazem uma frase inteira, vão aumentando, aumentando!!
ResponderEliminarComo vives numa aldeia e toda a gente se conhece seria talvez bom ir falando com a tua mana, para ela não saber a noticias por pessoas da rua. As crianças são fantasticas, vais ver que ela vai saber reagir e dar força à tua mãe...
Beijinhos
Rui, só devemos dar a importância devida áquilo que tem mesmo importância, esse tipo de conversa nem é importante na media do conteúdo nem tem importância pelo tipo de tema, então ignora simplesmente. Rui, sabes a história do: O velho, o rapaz e o burro? é que as pessoas falam por tudo e por nada, e isso revolta realmente... E eu que não aceito esse tipo de atitudes na sociedade... mas não há nada a fazer... É lamentavél.
ResponderEliminarRui, espero a boa continuação das tuas lições de condução e que a Mãezinha continue com a FORÇA que tu e todos que a amam lhes transmitem. Beijinhos e muito bom fim de semana.
Natty
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ResponderEliminarOlá Rui,
Vamos a aclarar as ideias.
Quem mora nas aldeias da nossa terra, que são lindíssimas, já sabe que tem de contar com a ignorância de umas poucas de pessoas incultas que são umas infelizes pois não sabem mais nada a não ser fazer de "Arautos da Desgraça".
E são infelizes por várias razões, primeiro que não sabem ocupar o seu tempo, não lêem, não procuram descobrir a beleza da natureza, não procuram ajudar às necessidades dos outros, são "burras"... Burras, burras!!!
E o que se deve fazer em relação a essa gentinha:
Desprezo!
As nossas gentes têm de se transformar...em gente normal.
Mais duas gerações e estou convicta que essas carpideiras, fuxiqueiras e tudo de pior vai desaparecer... O que falta no nosso País é "Ensino" - Escola... Pôr esta gente numa Europa Civilizada, com disciplina, ensino e VALORES...
Cada um tem de fazer a sua parte!
Um abraço,
laura
às vezes apetece tanto dizer: preocupem-se com as suas vidas e deixem as dos outros em paz!!!
ResponderEliminarmas não adianta nada, rigorosamente nada...
para se conseguir viver em paz só há uma solução...: não ligar mesmo mesmo nada ao que os outros dizem e pensam...por mais que custe e aos poucos...uma pessoa habitua-se a isso ...