quinta-feira, 2 de julho de 2009

Dia 2 de Julho de 2009

Que a vida não pára quando surgem problemas é algo que já percebi, e o dia de hoje foi um claro exemplo disso mesmo. Acordei de manhã com estrondos enormes vindos do sótão de minha casa. A minha mãe também se levantou admirada e acabamos por perceber que com a situação recente nos havíamos esquecido totalmente de que tínhamos contratado uma equipa de trabalhadores para concertar um problema no telhado há duas semanas. Não foi mau de todo porque assim a minha mãe passou parte da manhã entretida a perscrutar as obras e esqueceu outros assuntos desagradáveis.

Ao fim da manhã fomos mais uma vez a Boticas acompanhados pelo meu tio Zé (esta situação de a minha mãe não poder conduzir torna-se incomoda neste aspecto: temos sempre de recorrer a alguém). Primeiro a minha mãe realizou análises para o problema no ombro e de seguida fomos tomar o pequeno-almoço juntos. É impressionante como estes pequenos momentos, antes banais, se mostram agora importantes e únicos, fazendo-me vive-los de forma intensa, tornando um simples pequeno-almoço num momento importante em que posso estar com a minha mãe.

Tivemos de passar mais uma vez no centro de saúde onde a empregada da secretaria nos atendeu e nos explicou o que fazer a seguir. A situação é caricata: lembro-me de há cerca de uma ano ter entrado neste mesmo centro de saúde e ter visto a mesma funcionária que nos atendeu a chorar, cercada por alguns colegas, num grande aparato. Naquele momento ignorei a situação. Dias mais tarde soube acidentalmente que ela tinha descoberto que tinha cancro na mama. Ironia do destino era ela que nos atendia naquele dia e aparentemente estava dentro do nosso assunto. O seu cabelo está ainda muito curto, mazelas do sofrimento que passou recentemente, mas o seu aspecto saudável deu-me algum alento. Afinal de contas são tantas as mulheres que passam pelo mesmo que a minha mãe. E tantas sobrevivem. Acho que foi a primeira vez que me senti mais seguro e espero que este sentimento se mantenha mais tempo.

Talvez por compaixão após tudo o que passou, a funcionária ajudou-nos imenso. Marcou uma consulta para a minha mãe ainda para hoje, durante a tarde, tarefa que seria impossível sem o seu auxílio, pelo que tudo acabou por se resolver mais rápido do que esperado. Entendo o ponto de vista da funcionária ao ajudar-nos de forma tão pronta. Depois de ter lutado contra o cancro penso que se criam laços afectivos imediatos com todos aqueles que passam pelo mesmo, e esta funcionária de quem nem sequer conheço o nome tem neste momento muito mais em comum connosco do que muitos amigos da família que conhecemos há anos.

Infelizmente não pude acompanhar a minha mãe a chaves.

Desde pequeno que pertenço a um pequeno grupo musical familiar onde toco órgão e sou vocalista, onde realizo pequenos bailes de verão e outras cerimónias. Esta actividade nunca me agradou deveras, mas tornou-se ainda mais desagradável quando tive uma festa hoje e por isso não pude acompanhar a minha mãe na realização dos exames. Mas claro que tive de actuar esta noite, afinal era um compromisso que tinha para com o meu tio e companheiro no conjunto. Apesar de a ideia me desagradar inicialmente, acabou por ser benéfico e por mostrar-me mais uma vez que a vida não pára quando surge um problema. As horas que passei fora de casa fizeram-me distrair um pouco e apesar de a realidade desagradável se apoderar de mim logo que entrei em casa, sinto que está a ser cada vez menos custoso enfrentar tudo isto.

A minha mãe esperou por mim. Contou-me que realizou uma mamografia e a uma ecografia mamária. Como era de esperar devido ao caroço até agora sem denominação oficial, foi-lhe muito custoso e doloroso realizar a mamografia. O resultado dos exames só poderá ser-nos entregue na próxima semana pelo que o atraso nas burocracias, apesar de não ser enorme como previra, continuará a notar-se.

Estivemos a conversar os dois até agora. Falamos de muita coisa: inevitavelmente do tumor, mas também de coisas banais, contamos piadas, falamos de coisas sérias, de coisas ridículas…estivemos juntos e isso sim é o mais importante, aproveitar cada momento em que podemos estar juntos e usufrui-lo ao máximo.

12 comentários:

  1. OLá Rui! A minha melhor amiga está a passar pelo mesmo que a tua mãe... Têm sido momentos complicados mas todos juntos vamos vencer esta batalha! É incrível como o mundo é pequeno... nos teus comentários, encontrei uma pessoa da minha zona (estarreja) e ao mesmo tempo há os comentários da Loulou que tive oportunidade de conhecer há umas semanas em Luanda... Verdadeiras lutadoras que acredito que sejam um exemplo a seguir! Muita força para ti e para a tua Mãe! Um beijinho

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  2. Bom dia, Rui. Acho que já percebeste mesmo: "Que a vida não pára quando surgem problemas é algo que já percebi". E o importante mesmo são os momentos de QUALIDADE que se passam em união. Não deixes mesmo que esse sentimento de confiança te abandone. Não deixes.
    Um beijinho e bom fim de semana (podem ter um bom fim de semana, apesar daquilo que paira sobre vós...)

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  3. Olá Rui,
    Já noto mais ânimo e esperança nas tuas palavras. E é isso mesmo: "a vida não pára quando surgem problemas". Aproveita bem todos os momentos, com a tua mãe, com a tua família, os teus amigos. Não deixes de fazer as coisas que gostas, ok?
    Um grande beijo e espero que passem um bom fim de semana.

    P.S: Como o mundo é pequeno. Celine, como é que vieste cá parar?! Grande beijo para ti também.

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  4. Bom dia Rui!Fiquei super-feliz por ver que te estás a adaptar á nova situação é mesmo assim, faz a tua vida normal assim também carregas energias para seguir em frente e ajudar a tua mãe.

    Beijinhos e bom fim de semana.

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  5. BOM DIA Rui

    Também tive cancro da Mama á 2 anos.
    A palavra agora é ir em frente, com muita força e coragem, porque a sua Mãe só tem de pensar que se vai curar.
    É esta força e esperança que nos ajuda á cura.

    Beijinhos
    e MUITA FORÇA

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  6. Olá Rui,

    Ainda bem que percebeste que há um mar de coisas para além do "cancro" que não deves anular...
    Se tentares manter a tua vida dentro de uma normalidade (anormal) possivel tudo se torna mais leve para todos. Acredita que é também nesse distanciamento que vais buscar forças

    Fazes parte de um grupo musical?! Que giro... sempre tive o sonho de conseguir cantar alguma coisita que fosse. Gosto tanto de cantar e não dou uma para a caixa, ehehe

    A Sra do centro de saúde... tens razão. Quem passa por isto, ou o viveu de alguma forma muito próximo, cria laços imediatos com pessoas em situação identica. Basta olhares para quem te visita, conhecemo-nos quase todas, e só depois de todas terem cancro da mama.E de forma bem diferente: pela net!

    Gostei de te ler, parece-me que depois do 1º impacto da noticia estás a reagir com optimismo, estás menos colado ao lado negro da situação. Continua a manter a confiança na cura da tua mãe e tramsmite-lhe isso...

    Bjos para todos

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  7. Olá Rui. Estou muito contente por teres tomado consciência que a vida continua. É bom sentires que podes continuar a fazer a tua vida e em simultâneo, ajudar a tua mãe. Como dizem as minhas amigas, toca de tirar a carta de condução, para ainda poderes ajudar mais a Mãe.
    Força menino Grande.
    Um bom fim de semana e um beijo muito grande, para ti e a tua Mami.

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  8. Olá Rui
    muitas vezes a Vida faz-nos adultos mais cedo e até com momentos "menos" bons aprendemos muito!
    E vais ver que tudo corrá bem e saíras muito mais sábio!
    Acredita que se pode vencer!!
    Beijinhos aos dois :)

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  9. Força amigo Rui. Em Maio do ano passado o meu pai foi operado ao estômago tirando quase todo e está tudo bem com ele, quase que faz uma vida normal incluindo o trabalho. Coragem e olhar em frente. Pensamento positivo.

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  10. Boas, Rui.
    Sou o João, e foi diagnosticado à minha mulher, há cerca de três anos um Linfoma de Hodgkins. Seguiram-se intermináveis sessões de quimio-terapia, uma recaída, mais quimio-terapia, um transplante, rádio-terapia.
    Foi uma prova de resistência, mas hoje as indicações que temos, são de que a prova foi superada. Com mérito e distinção, por uma mulher de uma coragem inacreditável.
    Gosto de pensar que o meu apoio teve um pequeno papel na sua luta, e na sua vitória. É o pouco que podemos fazer que nos assusta. Uma terrível impotência!
    Aposto que a vossa equipa sairá, também vencedora, tal como tantas outras famílias de fibra que tenho conhecido, e que têm partilhado os seus problemas e percursos, através da net, e não só.
    grande Abraço e Beijo à Mãe.

    J (da Gigi)
    Quimio-gigi.blogspot.com

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  11. Boa tarde Rui, apesar do sofrimento o relógio não para e a vida continua, e ainda te vai trazer muitas alegrias...
    Estão a aprender a viver um dia de cada vez, com mais mais intensidade, dando mais valor a tudo!
    Estavas preocupado porque ainda havia mais exames a fazer e o tempo urge... Vês como o destino se encarregou de acelerar tudo? Deus pôe no nosso caminho as pessoas certas para nos ajudarem, e essa funcionária lá estava para vos dar uma ajuda!
    Um fim de semana o melhor possível!
    Um grande beijinho para ti, e para a tua mãe!

    Alda

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  12. Gostei de te ler, de perceber que estás um pouco mais optimista...é assim a vida continua e quanto mais conseguirem fazer as coisas normais melhor, tanto para ti como para a tua mãe. Espero que todos os comentarios que vais lendo te levem um a esperança de que precisas.
    Acredita que a tua mae vai vencer esta guerra, não é fácil mas não é impossivel.
    Beijinhos

    Ana Paula (Leiria)

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