As praxes foram bastante difíceis de aguentar, principalmente no 1.º dia. Foi horrível. Levantar-me sozinho numa cidade desconhecida, chegar a um local onde nunca entrara, dar de cara com gente nova que começa a grita comigo obrigando-me a ajoelhar-me em frente deles sem perceber muito bem porquê foi uma experiencia difícil de aguentar. Posso dizer sem mentir que no 1.º dia fui a pessoa mais praxada de entre todos os colegas. Foi-me colocada uma fita na cabeça e passei a ser o caloiro Rambo. A partir daí passei o dia a rastejar no chão, a gritar ordens de guerra entre outras pérolas. É difícil para quem ouve perceber como nos sentimos mal num dia assim, mesmo que contado pareçam coisas simples e fáceis de realizar. Quando cheguei ao meu quarto nessa noite só pensava em desistir de tudo. Ao longo da semana as coisas foram melhorando. Na terça-feira tivemos o nosso despique musical contra outro curso e ficamos empatados. Na quarta tivemos uma aula fantasma (uma professora falsa tratou-nos abaixo de cão e exigiu que comprássemos microscópios individuais perante a nossa cara de choque) e também a praxe suja (horrível. Fomos cobertos por milhares de líquidos estranhos como leite, iogurtes, óleo, azeite, vinagre, ketchup, arroz, ovos e muitas outras coisas que nem sei identificar. Quase entupi a canalização nessa noite ao tomar banho) e quinta-feira tivemos uma especial de serenata na cidade, o que foi a experiencia mais agradável até agora. Sexta não houve praxe. Não quer dizer que ao longo da semana os doutores tenham baixado a guarda ou que tenhamos sofrido menos. Simplesmente habituei-me ao estilo das praxes, percebi qual o objectivo e deixei de ter tanta vergonha ao fazer o que me mandam. Passamos os dias inteiros com os doutores: desde as oito da manhã à meia-noite (ou depois disso). Almoçamos e jantamos juntos e no fim das praxes somos acompanhados a casa. O bom no meio disto tudo é que apenas em cinco dias já se criaram amizades entre os caloiros que de outra forma nunca apareceriam. Já conheço todos os meus colegas, apesar de ainda não saber todos os nomes. Soube-me divinalmente chegar a casa ontem, rever os meus pais e a minha irmã e dormir na minha cama de novo. Pena é que Sábado tenha passado tão rápido e só me reste mais um dia antes de regressar a Vila Real.
Tenho telefonado todos os dias à minha mãe antes de dormir, geralmente muito tarde e por isso tenho-me mantido a par das novidades. Já colocou a peruca ontem, pelo que quando cheguei a casa já a vi de visual renovado. E fiquei surpreendido: a peruca é de facto idêntica ao cabelo original e se não soubesse de antemão o que iria encontrar, poderia facilmente ter confundido com um novo corte de cabelo. Ela afirma sentir-se um pouco apertada com a peruca na cabeça, mas está a reagir bem à mudança, tal como tem reagido a tudo. Agora que tem o cateter colocado (também foi colocado ontem) terá outra sessão de quimioterapia dia 29. Pelos vistos o braço tem-lhe doido muito menos e sentiu o tumor na mama diminuir consideravelmente. Claro que só a opinião do médico poderá dizer alguma coisa mas eu estranho uma diminuição perceptível tão rápida. Quem sabe o tratamento esteja a ter um efeito muito bom e o tumor reduza o tamanho mais rápido do que se espera.
De resto tudo está na mesma. Todos os vizinhos e amigos me perguntaram como se passou a semana de praxe e a minha irmã, afirmando ter tido muitas saudades não me largou um minuto. A minha avó melhorou bastante e voltou ao seu estado normal antes da queda.
A vida corre normalmente e até já me parece normal estar a seleccionar as calças mais sujas que tenho no armário para segunda levar para as praxes.